| Trilha de pedras que leva a Cachoeira do Rosário, em Pirinópolis, lugar desbravado pelo bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera ou Diabo Velho. |
Nem acredito que calcei meus velhos tênis de trilha,
novamente, depois de tanto tempo, mofando no guardarroupa. Graças a um convite
de amigos queridos, Dagmar Coutinho e o maridão Paulo Soeiro, pude esticar o
último final de semana em Goiânia, a trabalho, fazendo uma trilha de jipe até
Nossa Senhora do Rosário. Situada no município de Pirinópolis, a cerca de 170
kms de Goiânia, trata-se de uma propriedade particular, preservada somente para
visitas ecológicas ao seu santuário de pássaros, pedras e cachoeiras, faz parte
do preservado patrimônio histórico da fundação de Goiás, pelos bandeirantes
paulistas, ainda no século XVI, por Bartolomeu Bueno da Silva. Ali, ele iniciou
o primeiro povoado, chamado de Minas de Nossa Senhora do Rosário de Meia Ponte
que, em 1890, viria a se chamar Pirinópolis, inspirada nos Montes Pireneus, por
causa da semelhança da cadeia de montanhas que a contorna, à dos montes
italianos.
Infelizmente, para os meus amigos que adoram o
Troller e suas peripécias, como a região
toda é de cerrado, o clima é muito seco e quase não chove por lá, durante o
ano, há pouquíssimos riachos cortando o caminho e tornando a aventura “menos” prazerosa
ou enlameada, prá quem é do ramo. “Jipeiro que é jipeiro, quer emoções, e
atolar o jipe é a principal delas”, explica Dagmar, a fiel escudeira e
co-piloto do Paulo, nas longas viagens que já fizeram pelo Brasil e exterior. Ano passado, viajaram mais de
????kms, só para conhecer o Deserto do Atacama. Por lá, ficaram 10 dias,
explorando o deserto de sal, curtindo a água quentinha dos gêiseres, se
familiarizando com lhamas e pessoas das comunidades indígenas que encontram à
beira da estrada. “Foram dias mágicos”, dizem eles, e eu, que vi e chorei com
as fotos, não hei de duvidar, jamais.
Voltando ao nosso passeio em Piri, como eles abreviam o nome
do município onde está localizada a Cachoeira do Rosário, pode não ter sido emocionante,
no sentido de ter atoleiros ou não, pela frente, mas prá mim, que estava bem
cansada dessa rotina de cidade grande, também foi mágico, pois o reencontro com
a natureza é uma das coisas que não posso prescindir nessa minha vida. Pude respirar
ar puro, arquivar na memória das retinas aquela imensidão de verde por todos os
lados, experimentar comidas e bebidas típicas e, de quebra, delirar com o
brilho das pedras preciosas, que brotam no caminho dos viajeiros. Não foi por
outra razão que o “nosso” Anhanguera ganhou este apelido, na região. Contam os
historiadores, que, em 1682, Bartolomeu Bueno da Silva, empreendeu uma bandeira
até o Rio Araguaia. Na volta, ao passar pelo Rio Vermelho, fez contato com uma
tribo de indígenas, os Goyá. Vendo as mulheres enfeitadas com pequenas lascas
de ouro, obrigou-as a mostrar-lhes o local das minas, ateando fogo a uma cuia
de aguardente com sua espingarda. Por isso, descobriu o ouro e ganhou a alcunha
de Anhanguera que em tupi significa diabo-velho ou o espírito malígno.
| Para os jipeiros profissionais, a região é muito seca e deixa a desejar em termos de atoleiros ou mangues, principalmente, nesta época do ano. |
Depois de uns 20 kms com um bocado de solavancos no jipe,
chegamos à Casa das Pedras, ou Stone House, como é conhecida (claro, que o nome
tem que ser em “ingreis”, prá ficar mais chique, né???Dessa caipirice, não
podemos escapar, mesmo!!!. Mas a recepção hiperfestiva do Demócrito (lá também
é a terra do Demóstenes, o senador caçado!!!Não deu prá não atentar para esse
gosto dos goianos por nomes gregos...heheh) compensou a sede que já nos
ressecava a garganta e o chacoalhar dos corpos dentro do jipe, como se
estivéssemos num liquidificador ambulante. O rapaz, atenciosíssimo, foi logo
nos oferecendo uma cachacinha temperada com raiz de jurubeba cultivada no olho do formigueiro, “prá
despertar o nosso anjo”, segundo ele. Achei a frase megapoética. Adoro essas
expressões matutas, de gente que faz poesia, assim, sem mais nem porquê, e vai
assoprando-as ao léu, sem nenhuma preocupação egoísta de anotar nada, pra desenvolver depois, como
nós, os poetas da cidade, costumamos fazer, sempre que encontramos uma palavra
ou expressão que nos inspire.
| Descida muito íngreme, eu, Paulo e Aline, apoiadíssimos a nossos cajados. Um apoio e tanto. Quase que se pode dispensar "o anjo"...quase!!!! |
Claro que não resisti ao convite e não fosse o caminho
íngreme de pedras que teríamos que descer, ainda, até a gigante cachoeira, uns
100 ms abaixo, teria dado um porre no meu anjo. Ou seja, em vez de despertá-lo,
ele iria é dormir e roncar para todo o sempre, anestesiado com o espírito etílico
da jurubebinha. Mas, como trilheiro que se preze, não abre mão da
responsabilidade, nessas horas, achei melhor ouvir o conselho do Demócrito e
despertar o meu anjo da guarda, mesmo, em vez de alcoolizá-lo, porquê,
certamente, fora de forma do jeito que estou, iria precisar de toda a sua ajuda.
| Paradinha na Casa de Pedra, com direito a cachacinha para "despertar o anjo", antes de descer a cachoeira. |
| Enfim, a Cachoeira Nsa. Senhora do Rosário: uma cortinha refrescante de água, belíssima. |
Uauuuuuuuuu!!! Ficamos ali, extasiados com toda aquela
beleza, por segundos que pareceram séculos. Então, um novo desafio pela frente:
encarar as águas geladas da cachoeira. Eu, que me afogo em qualquer palmo
dágua, morro de medo, e quase nunca me atrevo a ser das primeiras a me atirar
nelas. Por isso, esperei pelo sinal seguro do Paulo, seguido pela Dagmar, e até
pela Aline, a doce filhinha deles, que nos brindou com o charme e a manha de
sua pré-adolescência durante o passeio, tornando nosso convívio muito mais doce
e aconchegante. (Thanks, Aline, adoreiiiiiiiiii você e não me esqueci do seu
boné de abas retas, não, viu???) Quando todos eles já estavam íntimos das águas
que não estavam tão geladas assim, eu criei coragem e entrei também, pelo menos
na beiradinha, prá refrescar o corpitcho. Acabamos ficando quase umas duas
horas ali, brincando na água, sentados nas pedras, jogando conversa fora e
esticando o tempo, ao máximo.
| Embaixo, uma piscina de água translúcida e natural, mas gelada. Só para os fortes. . |
Logo, porém, o anjo da cachaça nos despertou desse idílio
com as águas da cachoeira. Trocamos a roupa molhada por outras secas, e nos
pusemos a caminhar de novo. Dessa vez, optamos por um caminho menos íngreme,
embora mais longo, todo calçado de pedras, também, e com vários riozinhos
recortando-o, de quando em quando. Ótimas oportunidades para paradinhas
estratégicas para um respiro mais profundo e, claro, muiiiiiiitas poses prá
fotos, que ninguém é de ferro, né? A chegada à casa de pedra, demorou um pouco
mais, do que na descida prá cachoeira, mas foi menos cansativa.
| Na subida de volta à Casa de Pedra, uma paradinha prá respirar e...clicar:Paulo, Dagmar e Aline, meus anfitriões em Goiânia (GO). |
Chegamos e já fomos direto nos reabastecer no fogão de
lenha, pois o cheirinho da comida caseira,despertou uma multidão de anjos da
fome, dentro de nós. Difícil foi escolher o que comer, entre tantas iguarias da
roça, que eu não experimentava, há muito tempo: quiabo e milho refogados, purê
de abóbora, linguiça apimentada assada, galinha de cabidela -- prato típico da
região norte de Goiás, e também mineiro!!! --, arroz de pequi, outra sensação
goiana, que eu adoooooro, feijão tropeiro, feijão preto, arroz branco, e
contra-filé na chapa, assado na hora e ao gosto do freguês. Afff.....difícil foi manter a dieta, nessa
hora. Nenhum de nós três, creio que se lembrou desse capítulo de nossas vidas
urbanas, à beira daquele fogão enfeitado com caldeirões de delícias.
O resultado desses nossos esforços intrépidos, armados de
pratos, garfos e facas, foi a preguicinha após o almoço. Mas isso, tira-se de
letra, na Casa de Pedras ou Stone House, prá quem preferir o nome
anglo-saxônico, pois, providencialmente, o Demócrito também pensou nesse
detalhe advindo da ação pantagruélica dos seus clientes e improvisou um mezzanino
com vista para os “pirineus goianos”, decorado com várias redes, ao estilo
indígena. Depois de tanta comida, e exaustos com a caminhada, quem é que
resiste a este apelo? Só eu, que não relaxo nunca, fiquei perambulando pelos
jardins, enfeitados com pedras preciosas –sim, ametistas gigantes, até!!!!—e
esqueletos de árvores ressequidos, à espera de algum duende. E logo ele, ou
melhor, ela, a fadinha encantada chamada Aline veio me fazer companhia. Ficamos
ali, juntas, explorando os recursos de nossas câmeras fotográficas, enquanto o
Paulo e a Dagmar se refestelavam nas redes.
| Comidinha caseria no fogão à lenha: impossível resistir... |
Logo mais, era hora de voltar prá casa, mas antes ainda
continuamos o passeio até o centro de Pirinópolis, uns 20 kms à frente, desde a
fazenda Nsa. Senhora do Rosário e sua distintíssima casa-pedreira. À noite, no centrinho de Piri, que mais
parece um cenário de novela das nove, de tão bem conservado, como Patrimônio
Histórico tombado pelo IPAHN (Instituto Nacional do Patrimônio Histórico), a
ferveção corre solta, pois o lugar é um point
da moçada bonita de Brasília e arounds,
que desce em peso prá lá, atrás de azaração, comida e bebida fartas, e muita
diversão. Nesses dias, estavam com uma programação de boa música de MPB, com
estrelas de primeira grandeza, como o mineiro Milton Nascimento, entre outros. Óbvio
que, por causa disso, o lugar estava lotado de carros e pessoas, e era quase
impossível achar um local prá estacionar o “nosso” jipe.
Quando finalmente conseguimos isso, foi um alívio. E
dá-lhe caminhadas de novo, desta vez, pelas calçadas de pedras centenárias que
ali foram colocadas por escravos no século XVII. Eu, que sou uma amante inveterada de pedras
preciosas brasileiras, fiquei aturdida com tantos ateliêrs de designers de
jóias, comprovando, mais uma vez, a origem da lendária figura do Anhanguera, o
diabo-velho. Ali, o turista se encanta diante das vitrines e sua profusão de
peças enfeitadas com ametistas, rubelitas, topázios, quartzos de todas as
cores, e até gemas estrangeiras, como a ametista boliviana que nos encantou
demais: metade ametista e metade topázio. Então, encontrei o meu colar de
águas-marinhas, há tempos desejado. Mas, infelizmente, ainda não foi desta vez
que o trouxe comigo. Melhor, assim, tenho mais um motivo prá voltar a Goiás,
loguinho!!!Muiiiiiiiito precioso!!!
Voltamos pra Goiânia, quase meia noite, na companhia de
uma estonteante lua cheia nos céus, iluminando o nosso caminho e nos desejando
uma boa viagem.












