terça-feira, 6 de novembro de 2012

TRILHA DO OURO E PEDRAS PRECIOSAS DESCOBERTA POR ANHANGUERA




Trilha de pedras que leva a Cachoeira do Rosário, em Pirinópolis, lugar desbravado pelo bandeirante
Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera ou Diabo Velho.

Nem acredito que calcei meus velhos tênis de trilha, novamente, depois de tanto tempo, mofando no guardarroupa. Graças a um convite de amigos queridos, Dagmar Coutinho e o maridão Paulo Soeiro, pude esticar o último final de semana em Goiânia, a trabalho, fazendo uma trilha de jipe até Nossa Senhora do Rosário. Situada no município de Pirinópolis, a cerca de 170 kms de Goiânia, trata-se de uma propriedade particular, preservada somente para visitas ecológicas ao seu santuário de pássaros, pedras e cachoeiras, faz parte do preservado patrimônio histórico da fundação de Goiás, pelos bandeirantes paulistas, ainda no século XVI, por Bartolomeu Bueno da Silva. Ali, ele iniciou o primeiro povoado, chamado de Minas de Nossa Senhora do Rosário de Meia Ponte que, em 1890, viria a se chamar Pirinópolis, inspirada nos Montes Pireneus, por causa da semelhança da cadeia de montanhas que a contorna, à dos montes italianos.  

Infelizmente, para os meus amigos que adoram o Troller  e suas peripécias, como a região toda é de cerrado, o clima é muito seco e quase não chove por lá, durante o ano, há pouquíssimos riachos cortando o caminho e tornando a aventura “menos” prazerosa ou enlameada, prá quem é do ramo. “Jipeiro que é jipeiro, quer emoções, e atolar o jipe é a principal delas”, explica Dagmar, a fiel escudeira e co-piloto do Paulo, nas longas viagens que já fizeram pelo Brasil  e exterior. Ano passado, viajaram mais de ????kms, só para conhecer o Deserto do Atacama. Por lá, ficaram 10 dias, explorando o deserto de sal, curtindo a água quentinha dos gêiseres, se familiarizando com lhamas e pessoas das comunidades indígenas que encontram à beira da estrada. “Foram dias mágicos”, dizem eles, e eu, que vi e chorei com as fotos, não hei de duvidar, jamais.

Voltando ao nosso passeio em Piri, como eles abreviam o nome do município onde está localizada a Cachoeira do Rosário, pode não ter sido emocionante, no sentido de ter atoleiros ou não, pela frente, mas prá mim, que estava bem cansada dessa rotina de cidade grande, também foi mágico, pois o reencontro com a natureza é uma das coisas que não posso prescindir nessa minha vida. Pude respirar ar puro, arquivar na memória das retinas aquela imensidão de verde por todos os lados, experimentar comidas e bebidas típicas e, de quebra, delirar com o brilho das pedras preciosas, que brotam no caminho dos viajeiros. Não foi por outra razão que o “nosso” Anhanguera ganhou este apelido, na região. Contam os historiadores, que, em 1682, Bartolomeu Bueno da Silva, empreendeu uma bandeira até o Rio Araguaia. Na volta, ao passar pelo Rio Vermelho, fez contato com uma tribo de indígenas, os Goyá. Vendo as mulheres enfeitadas com pequenas lascas de ouro, obrigou-as a mostrar-lhes o local das minas, ateando fogo a uma cuia de aguardente com sua espingarda. Por isso, descobriu o ouro e ganhou a alcunha de Anhanguera que em tupi significa diabo-velho ou o espírito malígno.
Para os jipeiros profissionais, a região é muito seca e deixa a desejar em termos de atoleiros  ou mangues,
principalmente, nesta época do ano.
 

Depois de uns 20 kms com um bocado de solavancos no jipe, chegamos à Casa das Pedras, ou Stone House, como é conhecida (claro, que o nome tem que ser em “ingreis”, prá ficar mais chique, né???Dessa caipirice, não podemos escapar, mesmo!!!. Mas a recepção hiperfestiva do Demócrito (lá também é a terra do Demóstenes, o senador caçado!!!Não deu prá não atentar para esse gosto dos goianos por nomes gregos...heheh) compensou a sede que já nos ressecava a garganta e o chacoalhar dos corpos dentro do jipe, como se estivéssemos num liquidificador ambulante. O rapaz, atenciosíssimo, foi logo nos oferecendo uma cachacinha temperada com raiz de jurubeba  cultivada no olho do formigueiro, “prá despertar o nosso anjo”, segundo ele. Achei a frase megapoética. Adoro essas expressões matutas, de gente que faz poesia, assim, sem mais nem porquê, e vai assoprando-as ao léu, sem nenhuma preocupação egoísta  de anotar nada, pra desenvolver depois, como nós, os poetas da cidade, costumamos fazer, sempre que encontramos uma palavra ou expressão que nos inspire.




Descida muito íngreme, eu, Paulo e Aline, apoiadíssimos a nossos cajados.
Um apoio e tanto. Quase que se pode dispensar "o anjo"...quase!!!!
Claro que não resisti ao convite e não fosse o caminho íngreme de pedras que teríamos que descer, ainda, até a gigante cachoeira, uns 100 ms abaixo, teria dado um porre no meu anjo. Ou seja, em vez de despertá-lo, ele iria é dormir e roncar para todo o sempre, anestesiado com o espírito etílico da jurubebinha. Mas, como trilheiro que se preze, não abre mão da responsabilidade, nessas horas, achei melhor ouvir o conselho do Demócrito e despertar o meu anjo da guarda, mesmo, em vez de alcoolizá-lo, porquê, certamente, fora de forma do jeito que estou, iria precisar de toda a sua ajuda.
Paradinha na Casa de Pedra, com direito a cachacinha para "despertar o anjo",
antes de descer a cachoeira.
 
Como já estávamos com muita fome, ficamos por ali, descansando um pouco dos solavancos, bebericando a cachacinha bem de leve, enquanto degustávamos entradinhas preparadas no fogão à lenha, como torresmos, feijão tropeiro e queijo fresco com goiabada. Um banquete, que nos estimulou a continuar a caminhada, em seguida, muito mais entusiasmados. E lá fomos nós, encarar o desafio de descer a trilha de pedras. E bota desafio, nisso, pois, apesar de curtinha, ela é totalmente descendente, e quase não se consegue dar dois passos seguidos, sem se apoiar em alguma coisa. Por isso, providenciais cajados são preparados e deixados logo no começo da trilha, prá nos amparar no percurso. Depois de muitas paradas para respirar e tirar fotos, chegamos a uma clareira na mata fechada, com uma piscina natural de água muito transparente, e protegida por um paredão de pedras. Uma cortina de água refrescante, se jogava lá de cima, tranquila e com a persistência dos deuses.
 



Enfim, a Cachoeira Nsa. Senhora do Rosário: uma cortinha refrescante de água, belíssima.
Uauuuuuuuuu!!! Ficamos ali, extasiados com toda aquela beleza, por segundos que pareceram séculos. Então, um novo desafio pela frente: encarar as águas geladas da cachoeira. Eu, que me afogo em qualquer palmo dágua, morro de medo, e quase nunca me atrevo a ser das primeiras a me atirar nelas. Por isso, esperei pelo sinal seguro do Paulo, seguido pela Dagmar, e até pela Aline, a doce filhinha deles, que nos brindou com o charme e a manha de sua pré-adolescência durante o passeio, tornando nosso convívio muito mais doce e aconchegante. (Thanks, Aline, adoreiiiiiiiiii você e não me esqueci do seu boné de abas retas, não, viu???) Quando todos eles já estavam íntimos das águas que não estavam tão geladas assim, eu criei coragem e entrei também, pelo menos na beiradinha, prá refrescar o corpitcho. Acabamos ficando quase umas duas horas ali, brincando na água, sentados nas pedras, jogando conversa fora e esticando o tempo, ao máximo.
Embaixo, uma piscina de água translúcida e natural, mas gelada.
Só para os fortes. .
 


Logo, porém, o anjo da cachaça nos despertou desse idílio com as águas da cachoeira. Trocamos a roupa molhada por outras secas, e nos pusemos a caminhar de novo. Dessa vez, optamos por um caminho menos íngreme, embora mais longo, todo calçado de pedras, também, e com vários riozinhos recortando-o, de quando em quando. Ótimas oportunidades para paradinhas estratégicas para um respiro mais profundo e, claro, muiiiiiiitas poses prá fotos, que ninguém é de ferro, né? A chegada à casa de pedra, demorou um pouco mais, do que na descida prá cachoeira, mas foi menos cansativa.
Na subida de volta à Casa de Pedra, uma paradinha prá respirar e...clicar:Paulo, Dagmar e Aline, meus anfitriões em Goiânia (GO).
 

Chegamos e já fomos direto nos reabastecer no fogão de lenha, pois o cheirinho da comida caseira,despertou uma multidão de anjos da fome, dentro de nós. Difícil foi escolher o que comer, entre tantas iguarias da roça, que eu não experimentava, há muito tempo: quiabo e milho refogados, purê de abóbora, linguiça apimentada assada, galinha de cabidela -- prato típico da região norte de Goiás, e também mineiro!!! --, arroz de pequi, outra sensação goiana, que eu adoooooro, feijão tropeiro, feijão preto, arroz branco, e contra-filé na chapa, assado na hora e ao gosto do freguês.  Afff.....difícil foi manter a dieta, nessa hora. Nenhum de nós três, creio que se lembrou desse capítulo de nossas vidas urbanas, à beira daquele fogão enfeitado com caldeirões de delícias.
 

O resultado desses nossos esforços intrépidos, armados de pratos, garfos e facas, foi a preguicinha após o almoço. Mas isso, tira-se de letra, na Casa de Pedras ou Stone House, prá quem preferir o nome anglo-saxônico, pois, providencialmente, o Demócrito também pensou nesse detalhe advindo da ação pantagruélica dos seus clientes e improvisou um mezzanino com vista para os “pirineus goianos”, decorado com várias redes, ao estilo indígena. Depois de tanta comida, e exaustos com a caminhada, quem é que resiste a este apelo? Só eu, que não relaxo nunca, fiquei perambulando pelos jardins, enfeitados com pedras preciosas –sim, ametistas gigantes, até!!!!—e esqueletos de árvores ressequidos, à espera de algum duende. E logo ele, ou melhor, ela, a fadinha encantada chamada Aline veio me fazer companhia. Ficamos ali, juntas, explorando os recursos de nossas câmeras fotográficas, enquanto o Paulo e a Dagmar se refestelavam nas redes.
 
Comidinha caseria no fogão à lenha: impossível resistir...
 

Logo mais, era hora de voltar prá casa, mas antes ainda continuamos o passeio até o centro de Pirinópolis, uns 20 kms à frente, desde a fazenda Nsa. Senhora do Rosário e sua distintíssima casa-pedreira.  À noite, no centrinho de Piri, que mais parece um cenário de novela das nove, de tão bem conservado, como Patrimônio Histórico tombado pelo IPAHN (Instituto Nacional do Patrimônio Histórico), a ferveção corre solta, pois o lugar é um point da moçada bonita de Brasília e arounds, que desce em peso prá lá, atrás de azaração, comida e bebida fartas, e muita diversão. Nesses dias, estavam com uma programação de boa música de MPB, com estrelas de primeira grandeza, como o mineiro Milton Nascimento, entre outros. Óbvio que, por causa disso, o lugar estava lotado de carros e pessoas, e era quase impossível achar um local prá estacionar o “nosso” jipe.

 

Quando finalmente conseguimos isso, foi um alívio. E dá-lhe caminhadas de novo, desta vez, pelas calçadas de pedras centenárias que ali foram colocadas por escravos no século XVII.  Eu, que sou uma amante inveterada de pedras preciosas brasileiras, fiquei aturdida com tantos ateliêrs de designers de jóias, comprovando, mais uma vez, a origem da lendária figura do Anhanguera, o diabo-velho. Ali, o turista se encanta diante das vitrines e sua profusão de peças enfeitadas com ametistas, rubelitas, topázios, quartzos de todas as cores, e até gemas estrangeiras, como a ametista boliviana que nos encantou demais: metade ametista e metade topázio. Então, encontrei o meu colar de águas-marinhas, há tempos desejado. Mas, infelizmente, ainda não foi desta vez que o trouxe comigo. Melhor, assim, tenho mais um motivo prá voltar a Goiás, loguinho!!!Muiiiiiiiito precioso!!!

Voltamos pra Goiânia, quase meia noite, na companhia de uma estonteante lua cheia nos céus, iluminando o nosso caminho e nos desejando uma boa viagem.